terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Aos que sofrem

"Eu estou com ele na sua tribulação, dela o livrarei e glorificarei."
                                          (Ps. XL, 15). 

Jesus Cristo. - Porque estás triste, filha Minha? O que é que te atormenta? 

A alma. - Senhor, é que eu não posso mais. Sofro horrivelmente; é muito pesada a cruz que levo sobre os ombros; sobrecarrega-me; e eu quisera, se possível fosse, livrar-me dela. Choro incessantemente; aflijo-me; em vão procuro quem me console; o meu único alívio é queixar-me, soluçar, e dar livre curso às minhas lágrimas. Quão mal sabem consolar os tristes aqueles que estão alegres! As suas palavras ainda me irritam mais. Se eles sofressem como eu sofro, outra seria a sua linguagem. 

Jesus Cristo. - Desabafa, à vontade, o teu coração angustiado. Não Me ofendem as tuas lágrimas, nem as tuas queixas amorosas; pois, fui Eu que te fiz sensível às penas e a dor, às contrariedades e à cruz; ouve-Me, porém, com atenção, Eu amo-te verdadeiramente; desejo fazer-te feliz, e sei consolar-te porque conheço, por experiência própria, o que é uma dor acerba e uma cruz pesada. 


I. Eu estou contigo na tribulação. Eu bem podia tirar-te de sobre os ombros essa cruz que te sobrecarrega, como também podia ter evitado que ela te caísse sobre eles. Mas de quem te queixas tu? Quem julgas que te fabricou essa cruz, que assim te oprime? Pensas que foram os homens ignorantes ou maus. Pensas acaso que foram os elementos? 

Ergue-te, e olha um pouco mais acima. Quem te deu essa cruz fui Eu mesmo; fui Eu que permiti que te impusessem. Mas, muito antes de impô-la, pesei-a: e até toquei-a na Minha, para santificá-la. Não me faças a injúria de a achares pesada de mais; pois nisso Me acusarias de injusto ou de ignorante. É pesada, bem o sei, difícil de levar e aflitiva; mas não por demais. 

Ao cometeres o pecado abandonaste-Me para procurares um gozo ilícito nas criaturas; quero Eu, pois, que esse deleite o pagues tu agora com este tormento. Mais insuportável é o inferno, que mereceste por cada pecado teu. Parecia-te o mundo digno do teu amor; estavas muito aferrada às criaturas; e Eu quero desapegar-te delas, fazendo-te ver quanto elas são vãs, enganosas e custáveis, e quanta é a amargura que o seu trato deixa sempre no coração. 

A muitos tem a perseguição dado a coroa de mártires; a cada passo a prosperidade leva não poucos a serem viciosos.

Quantos pecados, em tuas tribulações, não tens tu deixado cometer, por não teres à disposição tantos meios nem ocasião de pecar? É assim que, vendo-te aflita, te desgostas do mundo e de ti mesmo; purifica-te mais e lembra-te do céu; e recorres a Mim por única consolação.

O caminho mais curto, e o mais seguro, para chegar ao céu - é o caminho da cruz. Anima o covarde, humilha o soberbo, purifica o penitente, ilumina o cego e coroa o justo. 

Não satisfeito com ter sido Eu próprio que te pus essa cruz aos ombros, tendo-lhe, primeiro, tomado o peso, Eu estou ao teu lado para te ajudar a levá-la, embora teus olhos não logrem descobrir-Me. Não durmo, filha Minha; não Me esqueço de ti nem te abandono, mas quero que, da tua parte, faças alguma coisa: quero que recorras à Minha proteção, e que te convenças de que nada podes sem o auxilio da Minha divina graça.  Foi por esse caminho que levei os Meus santos; por esse caminho foi a Minha Mãe Santíssima; foi por ele que Eu mesmo dirigi também os Meus passos. 

A alma. - Perdoai-me, Senhor, se a força da dor me faz perder o tino, e me leva a dizer que Vós não estivestes na cruz senão três horas, e que o meu padecimento dura já há muitos anos.

Jesus Cristo. - Minha filha, é verdade que eu não estive senão três horas pregado sobre a cruz; mas desde o primeiro instante da Minha vida, Eu tive-a cravada no coração. Acaso só a sua representação não me fez suar sangue no horto? Pois isso mesmo que Eu então quis mostrar no exterior para o teu aproveitamento, passava-se a cada instante no íntimo da minha alma. Toda a minha vida foi um martírio nunca interrompido. 

Os meus servos, sabendo isto, animavam-se a padecer por Meu amor. 

“Senhor, dizia-Me o venerável João de Ávila, mais dor e mais paciência. Seja ainda a dor maior, contanto que o amor também aumente; que eu me deleite em padecer por Vós.” 

A minha amorosa esposa Teresa tambem exclamava assim: “Ou padecer, ou morrer.” 
Madalena de Pazzi acrescentava: "Padecer e não morrer."

Perguntando Eu, um dia, ao meu servo João da Cruz que recompensa queria ele pelas penas sofridas em Meu serviço, respondeu-Me: "Quero padecer, Senhor, e ser desprezado por amor de Vós."

O meu servo Agostinho julgava ver, no pé da Minha Cruz, escritas estas palavras: Solução de todas as dúvidas. 

Não queiras, pois, ser mais do que os santos, nem ser mais bem tratada do que o teu Mestre, se não queres renunciar a ser Minha discípula. 

Também os pecadores levam a sua cruz; e com certeza mais pesada que a dos Meus servos; pois que é com impaciência e sem mérito algum que eles a sofrem. 

Ergue os olhos ao Calvário, e lá verás três cruzes: a Minha, que Eu mesmo quis, sem ter culpa alguma própria, levar por amor de ti; a do bom ladrão, que soube arrepender-se das suas culpas; e finalmente, a do mau ladrão, que viveu mal e que mal morreu, que viveu sofrendo, e continuará sofrendo indizíveis tormentos por toda a eternidade. Eu estava com ele na tribulação; tinha-Me ao seu lado; porém não quis aproveitar-se dos Meus merecimentos; e a sua impenitência tornou-lhe mais insuportáveis as suas dores. 

II. Eu te livrarei - É a esperança que adoça as amarguras da vida. A tua cruz é pesada; mas virá um dia em que te livrarei dela. Agora mesmo alguns momentos há, em que Eu te alivio, fazendo com que tu sintas algum tanto menos o seu peso. Aligeiram-te estas consolações, que às vezes misturo em teu penar; mas dia virá em que Eu te retirarei de todo, e então quererias tê-la levado com mais paciência e mais resignação. 

Muito padeceram, por meu amor, os meus mártires; mas os tormentos deles já acabaram. Se as tuas horas de sofrimento se te fazem longas e pesadas, muito mais pesadas se tornarão pela tua impaciência; e muito mais longa e pesada ainda será a eternidade para os condenados. Mas nesta vida mesmo, eu te livrarei da cruz sempre que isso convenha à tua salvação, e tu Me peças com confiança, com amor e com perseverança. 

III. Eu te glorificarei. - Se Me acompanhares no caminho do Calvário, levando a tua cruz com paciência, e melhor ainda com alegria, é assim que merecerás entrar no Meu santo Reino. 

Aqui trabalhas, e lá descansarás; aqui sofres privações como peregrino, lá gozarás como quem já está na sua pátria; não tendo mal algum a evitar, terás a desfrutar um bem imenso; aqui pelejas contra o inimigo, lá reinarás sem ter inimigos. 

O prêmio com que Eu, no céu, galardoarei os seus trabalhos, é um bem interminável, sem mescla do menor mal. Por pequenas cruzes, terás grande recompensa; por sofrimentos passageiros, terás eterno gozo. 

É tão sem medida este gozo que te espera, que não poderás deixar de exclamar, ao entrar de posse dele: Gratuitamente me dais todo este gozo, Senhor; não mereciam tanto os meus pequenos sofrimentos. Oh! quem nunca houvera fugido da cruz! Agora conhece com quanta sabedoria os santos costumavam procurá-la.

A alma. - Iluminai, Senhor, o meu entendimento, para que conheça os bens que o padecer encerra; inflamai a minha vontade para não repelir as cruzes que Vós vos dignais impor-me; e dai-me graça copiosa para levá-las não só com resignação e constância, mas até mesmo, Senhor, com gozo e com alegria. Assim seja! 

(100 dias de indulgência, por cada vez que se ler esta meditação, concedidos pelos Em.mo e Rev.mo   Cardeal D. Americo, Bispo do Porto, texto retirado do livro Maria falando ao Coração das Donzelas por Abade A. Bayle, 1917)
 

Fonte: A grande guerra



domingo, 24 de janeiro de 2016

A Humildade - Por Santo Afonso de Ligório


Segui o exemplo de Sta. Catarina de Senna. Quando era tentada de vanglória, humilhava-se; e quando acometida de desânimo, confiava em Deus, pelo que o demônio lhe disse um dia com raiva: “Maldita tu e maldito quem te ensinou esse meio de me vencer. Não sei mais como te apanhar”. — Assim, pois, quando o inimigo vos disser que para vós não há perigo de cair, tremei, pensando que, se Deus vos deixa um instante, estais perdidas. Quando fordes tentadas de desânimo, dizei com Davi: Senhor, pus em vós todas as minhas esperanças, confio que não serei confundida, privada da vossa graça e feita escrava do inferno.

Considerai-vos como o maior pecador que existe na face da terra. As almas verdadeiramente humildes são mais esclarecidas da luz celeste, e como conhecem melhor as perfeições de Deus, também vêem melhor as suas misérias e os seus pecados. Dai vem que os santos, cuja vida era tão exemplar e tão diferente da dos mundanos, se diziam, não por exagero, mas com verdadeira convicção, os maiores pecadores do mundo. — Assim se julgava S. Francisco de Assis. — S. Tomas de Vilanova era continuamente assaltado de temor, pensando, dizia ele, nas contas que havia de dar a Deus pela sua má vida. — Sta. Gertrudes considerava um milagre não se abrir a terra debaixo de seus pés, para engoli-la por causa de seus pecados. — S. Paulo eremita derramava lágrimas, dizendo: “Ai de mim pecador, que não mereço ter sequer o nome de monge”. — O bem-aventurado padre Mestre Ávila refere a este propósito que uma pessoa de grande virtude, tendo rogado a Deus lhe fizesse ver qual era o estado de sua alma, obteve a graça pedida e a viu tão disforme e abominável, embora só tivesse cometido pecados veniais, que exclamou: Senhor, por misericórdia, tirai-me de diante dos olhos essa figura monstruosa.

Guardai-vos, pois, de vos preferir a quem quer que seja. Basta um julgar-se melhor do que os outros, para se tornar o pior de todos, assegura Trithemio. Assim também basta que alguém creia ter grandes merecimentos para perder os que tem e não ter mais nenhum. O principal merecimento da humildade consiste em crer um sinceramente que não tem nenhum direito adquirido e que não merece senão afrontas e castigos.

Os dons e graças que Deus vos tem concedido não serviriam senão para vos fazerem condenar com maior rigor no dia do juízo, se abusásseis desses dons, elevando-vos acima dos outros. Mas não basta não vos antepordes à nenhuma; é preciso, como já ficou dito, considerar-vos a última e a mais indigna de todos os vossos irmãos. E porque? Primeiramente, porque conheceis sem dúvida os muitos pecados que tendes cometido, e ignorais os pecados dos outros; e, ao contrário, sabeis que nada possuis, e não conheceis muitas virtudes ocultas. Além disso considerai que, com as luzes e graças que o Senhor vos prodigalizou, já devíeis ser um santo. Oh! se Deus houvesse dado tantas graças a um infiel, talvez fosse já um serafim; e vós ainda estais tão atrasado e tão cheio a imperfeições e defeitos! 

O Espírito Santo nos dá esse aviso: Há alguns que se fazem de humildes, só serem tidos e louvados por humildes e para não serem repreendidos e humilhados. — Mas, diz S. Bernardo, procurar louvores das humilhações não é humildade, porém destruição da humildade; porque, deste modo, a mesma virtude torna-se uma fonte de soberba. 

Na teoria, dizia S. Vicente de Paulo, a humildade tem uma boa aparência, mas na prática é horrenda, porque a verdadeira humildade consiste em amar as objeções e desprezos. Pelo que notou S. João Clímaco, que, para ser humilde não basta dizer que se é mau, mas também é preciso alegrar-se de ser tido por tal pelos outros e de ser por isso desprezado. Eis as suas palavras: “É bom que tu digas mal de ti, mas é melhor que, quando ouvires dizer isto por outrem, tu o confirmes, não te ressentindo, e até alegrando-te com isso. — Antes já o escrevera S. Gregório: “O verdadeiro humilde confessa-se pecador, e quando lhe censuram as faltas, não as nega mas reconhece”.
Enfim, S. Bernardo exprime o mesmo pensamento nestes termos: O verdadeiro humilde não pretende ser louvado por humilde, mas quer ser tido por vil, defeituoso e desprezível e se compraz de se ver humilhado e tido na conta em que se estima. Dai vem que a humilhação o torna mais humilde, diz o mesmo Santo doutor: Muda a humilhação em humildade.

Santo Afonso de Ligório no livro A Verdadeira Esposa de Cristo.