segunda-feira, 29 de setembro de 2014

A virtude da modéstia: humildade no vestir e no falar



Feliz comportamento aquele em que os inimigos não encontram outra culpa além da observância da lei”.

(“Glossa – Interlin.”)

por Sidney Silveira

A humildade é uma virtude moral, e não intelectual ou teologal. Ora, como toda virtude moral — embora radique no interior da alma — traz consigo reflexos exteriores, com a humildade não poderia ser diferente: o seu signo visível é a modéstia, tanto no vestir, como no falar. Assim, no que diz respeito ao vestir, o ornato demasiado elegante, chamativo, indecoroso, ostensivo ou frívolo é sinal da imodéstia que vem sempre acompanhada do orgulho, o qual faz uma pessoa querer atrair para si as atenções; no tocante ao falar, as palavras chulas, detratórias, ociosas, excessivamente pomposas, fora de lugar, jactanciosas ou ofensivas são a mostra evidente da soberba, fonte de todos os pecados, amor excessivo, desmesurado, da própria excelência, o qual leva uma pessoa a invejar e a desprezar as demais.

Desde o pecado original até o fim dos tempos, a modéstia sempre terá inimigos, pois a humildade de que é reflexo os têm em grande quantidade (sendo, como é, o primeiro degrau da sabedoria e o movimento inicial da alma a Deus). Pois bem: uma das formas mais antigas, enfadonhas e torpes de criticar a modéstia — seja no vestir ou no falar — é simplesmente acusá-la de hipocrisia, de verniz superficial, de falsa simplicidade.Ocorre que, como salienta muito bem a Glosa, não se conhecem os falsos profetas pelos vestidos, e sim pelas obras, razão pela qual as ovelhas não estão obrigadas a despir-se de suas peles pelo fato de os lobos [ocasionalmente] as usarem.[1] Assim, a ninguém é lícito envergonhar-se de se vestir ou de falar modestamente, pois isto não é possível sem algum grau de consciência culpável; não é lícito fazer isto por respeitos humanos, ou seja, pela preocupação com o olhar do mundo.

Comentando aquela passagem da Glosa, Santo Tomás de Aquino afirma duas coisas preciosas na primeira parte do opúsculo Contra Impugnantes Dei Cultum et Religionem:

  Os hipócritas não tentariam ocultar sua malícia sob a modéstia, se esta não tivesse aparência de bem;

 O demônio não tentaria ocultar seus ministros sob o hábito religioso, se com isto não buscasse fazê-los parecer bons para obrar mais livremente o mal.


Como se pode deduzir do que está dito acima, até mesmo a hipocrisia é uma espécie de reverência — canhestra, decerto — ao bem, pois os hipócritas, sendo maus, buscam ter aparência de bons. Mas a este respeito indaga São Jerônimo, com clareza e precisão, o seguinte: “Porventura devemos culpar a virgindade do crime cometido por quem finge praticá-la?”[2] Ora, muita razão tinha o grande Jerônimo ao fazer a necessária distinção entre a louvável prática de uma virtude e o vicioso uso de deturpá-la, macaqueando-a de forma caricata ao ponto de fazer o virtuoso parecer vicioso, de se tomar o joio pelo trigo. É, portanto, assaz corriqueiro as almas maliciosas chamarem a humildade de hipocrisia, e a modéstia de falsidade. Não encontrando sinais dessas virtudes em si, não as suportam ver nos outros. Precisam, pois, negá-las em gênero, número e grau.

Na verdade, a coisa é bastante evidente no tocante ao vestir, dado que a vestimenta indecorosa ou ostentadora exacerba o apetite concupiscível e desvia a inteligência das coisas verdadeiramente importantes a considerar nas pessoas, mas nem tanto no que tange ao falar, pois neste caso a verdade é mais sutil e sujeita a enganos. Seja como for, ao abordar o problema das palavras que se devem usar no ensino da verdade — tanto a filosófica, como a de fé —, assim como se cabe aos religiosos vestir roupas humildes, o Aquinate pulveriza no citado Contra Impugnantes os argumentos dos malvados que, julgando mal das coisas e das pessoas (male iudicando de rebus et male iudicando de personis), diziam o seguinte:


    a) é sinal de imodéstia usar de beleza oratória, dos ornatos da eloquência humana para falar das coisas divinas;

      b) é mais repreensível querer exceder-se em modéstia e pobreza no vestir do que em elegância e garbo.

À primeira dessas impugnações, partindo da premissa de que a perversidade de juízo sobre as coisas é perniciosa (vero perversitas iuidicii de rebus perniciosior est), responde o Doutor Comum citando a São Jerônimo (Epístola 70, endereçada a Magno, orador de Roma) e a Santo Agostinho (tratado De Doctrina Christiana). De Jerônimo lembra que, desde os Apóstolos, passando pelos escritores canônicos e por seus expositores, os cristãos souberam unir a sabedoria divina à oratória humana, souberam com santa moderação imiscuir a retórica secular na sagrada doutrina (...sacrae doctrinae immiscuisse sapientiam et eloquentiam saecularem). Daí que, segundo o Aquinate, seja digno de elogio, e não de detração, quem com modéstia põe a eloquência humana a serviço das verdades da fé. De Agostinho menciona ele a passagem em que se diz: “Requer-se a eloquência quando se aconselha algo que deve ser feito, de maneira que se ensine para instruir e se deleite para atrair[3].

Obviamente não se trata, nestes dois exemplos acima, de linguagem demasiado elegante — como fim em si mesma, ao modo dos sofistas —, mas da elegância diácona da verdade. Não se trata de imodéstia, mas do humilde ato de revestir a verdade com a beleza [4], para torná-la palatável aos homens.
À segunda dessas impugnações o Angélico responde dizendo, entre várias outras coisas, o seguinte: o que é merecedor da misericórdia divina não pode ser mau (illud quod divinam misericordiam promeretur non potest esse malum). E recorre à autoridade da Sagrada Escritura para lembrar que até mesmo grandes pecadores alcançaram a misericórdia de Deus por humilhar-se com vestes pobres, modestas. Frisa o Aquinate: “Assim, por exemplo, em 1 Reis, XXI, 27, se diz do perverso Acab que, ao ouvir as palavras de Elias, ‘rasgou suas vestes, cobriu-se com um saco e jejuou’. Por isso disse dele o Senhor a Elias: ‘Viste como Acab humilhou-se diante de Mim? Pois, por ter procedido assim, não lhe enviarei o castigo durante os dias de sua vida’”[5]. Os demais argumentos desse trecho do opúsculo abordaremos noutra ocasião.

A propósito do bem falar que revela ciência (ou seja, do discurso não vanglorioso), Santo Tomás cita novamente o Bispo de Hipona, que no mesmo De Doctrina Christiana afirma: “Perante os pagãos, o Apóstolo não vacilou um segundo sequer em proclamar a sua ciência, sem a qual não poderia ser chamado de Doutor dos Gentios”. Ora — advirtamos nós —, ao contrário dos que põem no ornato verbal o fim do discurso, o Apóstolo punha-o na conversão e no ensino da verdade. Daí Santo Agostinho, no mesmo trecho da citada obra, apontar o seguinte: “O Apóstolo, quando fala de si como tosco de palavras mas não de conhecimento (2 Cor XI, 6), está fazendo uma concessão a seus detratores, e não falando como quem assumisse um ato mau e o confessasse”. Isto porque a sabedoria está acima da eloquênciarazão pela qual esta deve ser usada em função daquela, e não o contrário — o que, ademais, seria enorme estultice.

Assim, o fato de que a hipocrisia disfarçada de modéstia no vestir seja pecado grave não implica que a modéstia no vestir seja vil como a elegância excessiva (pretiositas).[6] E o mesmo podemos dizer, com total segurança, da hipocrisia oculta por trás da modéstia no falar. Como porém os entes são especificados pela forma que possuem, e não pela corrupção dela, a modéstia não pode ser medida por uma hipocrisia pressuposta, e sim pela humildade de que é reflexo — até porque não nos cabe julgar ou adivinhar o coração dos homens, pois só Deus vê o oculto. E se agregue a isto um fator relevante: a simplicidade do homem modesto é visível a olho nu, razão pela qual o primeiro critério para julgar a modéstia são os seus sinais exteriores: falar e vestir-se com simplicidade e decoro. Até porque o falso modesto, o verdadeiro hipócrita, por mais que encha de encômios esta virtude sempre deixará escapar aos olhares atentos a sua verdadeira situação espiritual, análoga à do fariseu que, ao rezar no templo, se achara melhor que o publicano (Lc. XVIII, 10-14). Vejamos o que diz o Aquinate:

A modéstia no vestir (vilitas vestiumnão se ordena por si à hipocrisia, pois esta é certo abuso daquela. (...) E dado que o abuso é tanto mais digno de vitupério quanto mais a coisa [de que se abusa] é santa, sendo a hipocrisia tão grande pecado compreende-se que a modéstia no vestir seja coisa manifestamente recomendável, como o são também as obras exteriores de penitência das quais também abusa a hipocrisia”.[7]

Do que foi dito acima se segue, necessariamente, um corolário: ao imodesto está formalmente vedada a sabedoria, pois, agindo tão contrariamente à humildade, a sua ciência servirá apenas para inflar-lhe o ego de forma grotesca. E, como afirma o Aquinate neste tesouro espiritual que é o Contra Impugnantes, “a ciência infla quando não está acompanhada da caridade”; ou, na concisão da Glosa: “A ciência sozinha infla”[8]. Ora, é justamente a essa ciência sem a mais ínfima sombra de espírito caritativo que se refere São Gregório Magno — tão lido por Tomás de Aquino! — ao afirmar o seguinte em sua Moral:


“O perverso censura nos bons as obras retas que se nega a praticar”.[9]


Assim, ainda quando chamados de "hipócritas" por gente manifestamente maliciosa, aos cristãos é aconselhado não se envergonhar jamais de sua humildade — a qual é uma participação na humildade de Cristo, o modelo perfeito a imitar. A sã doutrina nos ensina a reconhecê-la como uma dádiva de Deus, pois Nosso Senhor mesmo nos exortou a isto:

“Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração” (Mt. XI, 29). [10]
[...]


____________________________

1. Glossa Margin.
2. São JerônimoAdversus Helvid. nº 21.
3. De Doc. Christ. , XIII, nº. 29
4. Ora, sendo o verdadeiro (verum) e o belo (pulchrum) dois transcendentais do ser, é conveniente estarem unidos no discurso humano, pois tudo o que é verdadeiro é, de alguma forma, belo.
5. Tomás de AquinoContra Impugnantes, q.8, nº 3.
6. (...) ex hoc quod hypocrisis quae latet sub vilitate vestium est magnum peccatum, non potest haberi quod vilitas vestium sit deterior quam pretiositasTomás de AquinoContra Impugnantes, q. 8, ad 7.
7. Tomás de AquinoContra Impugnantes, q.8, ad. 6.
8.“Scientia inflat si sola est”. Glossa Petri Lombardi, a.1 Cor. VIII, 1.
9. São GregórioMoral, VI, c. 22, nº 39.
10. Obviamente não se trata de gabar-se da humildade, o que (além de ridículo) implicaria perdê-la no ato. Não se trata de fazer como um famoso personagem de Dickens que vivia batendo no próprio peito e gritando aos quatro ventos: “Sou o sujeito mais humilde do mundo”. Não, o cristão reconhece-se humilde, sim, mas em Cristo, o que significa dizer que a sua humildade é toda ela advinda de instância superior. Negá-la seria negar um dom de Deus. A atitude correta, então, é exercitá-la enxergando a própria pequenez e a assombrosa misericórdia divina que, malgrado os nossos pecados, quer nos levar ao céu.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Viva Putin 'cristão'

 Por Raphael de la Trinité                             

 


Repete-se todo o esquema da Segunda Guerra Mundial.


Como Hitler é contra as 'democracias liberais' e a 'ordem mundial capitalista', é preciso [SIC!] apoiá-lo, ainda que isso redunde num favorecimento do comunismo. Já naquela época, Hitler dizia (Goëring e outros, também) que o comunismo aplainara o caminho, fora uma preparação para o nazismo. Hitler foi muito claro a respeito: 'Para que precisamos nós socializar os bancos e as fábricas? Socializamos os homens’ (Adolfo Hitler, apud Hermann Rauschning, ‘Hitler m´a dit’, Coopération, Paris 1939, pp. 218-219). Mesmo assim, legiões de pessoas que se afirmavam anticomunistas, sem pestanejar, entoavam a cantilena suicida: Hitler é a solução!

Também o Führer, naqueles idos, era visto como uma espécie de ‘novo’ Carlos Magno. Afinal, defendia a 'ordem', falava em deus, reportava-se às religiões da suástica (alguns altos dignitários foram iniciados nos cultos tibetanos) e nos brumosos mitos pagãos do Valhalla (mais ou menos como, hoje, Putin dá a entender que pretende restaurar o 'passado mítico' russo). Mais. O Führer acenava para a volta da monarquia alemã, criticava a 'degeneração moral' do Ocidente (embora as SAsNazistas, de Ernst Röhm, fossem uma pepineira de arruaceiros homossexuais, que Hitler houve por bem, para efeito de propaganda, extinguir depois, via massacre programado) e tivesse assinado uma Concordata com a Igreja Católica (que, tão logo quanto possível, violaria de forma acintosa, perseguindo violentamente os católicos).

Inovando pouco em relação ao quadro da Segunda Guerra Mundial, também agora Putin se apresenta como um velho 'cristão', meio disfarçado nas ‘operosas’ fileiras da KGB... Aliado, pois, da 'renovada' Igreja autodenominada ortodoxa russa, que, sem muitos disfarces, fez aliança aberta com os comunistas, após a Revolução bolchevista de 1917, e que, servindo docilmente aos manejos publicitários de Moscou, durante décadas atou como força-auxiliar, quase um departamento de propaganda estatal do regime comunista...

A História se repete.

'Nada há de novo sob o sol' (Eclesiastes).

A História é 'mestra da vida'. Enquanto os inteligentes aprendem, os recalcitrantes reproduzem as mesmas lengalengas que já iludiram tantos.

Muito procedente, nessa direção, o comentário do conhecido pensador espanhol Donoso Cortéz: 'o espírito humano tem sede do absurdo e do ridículo'.

Quanto à surrada balela de que a Rússia soviética teria tido um papel heroico na celebrada resistência russa diante do avanço nazista, existe argumentação borbulhante em sentido contrário.

De fato, não fosse pelo apoio descarado do Ocidente, pela entrega de armas, dinheiro e toda espécie de apoio logístico do Ocidente aos ‘aliados’ comunistas (traição manifesta de Churchill, Roosevelt e outros), desde o início da Segunda Guerra, muito provavelmente, a URSS teria sido, sem muito tardar, carta fora do baralho. Manifestação inconfundível dessa inépcia do Exército Vermelho (que sofrera colossais expurgos de seus melhores quadros, por parte do Partido comunista): a imensa dificuldade que experimentara a URSS de Stalin, em 1939, para subjugar... a Finlândia do general Mannerheim!

O próprio tirano vermelho, anos depois, quando houve um avanço decisivo dos alemães, chegou a acreditar que seria deposto por outros comunistas, menos poltrões e fracassados do que ele. E, fazendo jus aos artifícios de sempre, quando as tropas alemãs estavam perto de Moscou, despudoradamente, foi à rádio e fez um apelo: 'Meus filhos, salvemos a SANTA Rússia!'

Nessa mesma ocasião e em circunstâncias sucessivas, lançou toda espécie de promessas lisonjeiras: liberdade, eleições, e assim por diante. Enquanto isso, as populações do Leste aclamavam as tropas alemãs como libertadoras do domínio comunista.

Entretanto, em face das atrocidades inomináveis perpetradas pelos nazistas — os quais intentavam uma espécie de extermínio dos eslavos, tidos por eles como 'raça inferior' —, que se poderia esperar da população, senão que resistisse? Entre dois fogos ou dois déspotas sanguinários, melhor ficar com o da própria raça, sem dúvida... Numa carta, Rosenberg denunciara a absurda política autodestrutiva adotada por Hitler.

Se, pelo contrário, nas regiões da URSS que estavam sendo 'libertadas', Hitler tivesse formado governos provisórios e tratado bem as populações locais, é inconteste que teria levado de roldão Stalin e apaniguados. Mormente, ao que se crê, caso tivesse desferido desde logo ataque decisivo contra Moscou, não se deixando envolver nas malhas de Stalingrado (conforme opinam não poucos estrategistas e estudiosos do assunto).

Stalin chegou a pensar em fugir de Moscou, e criar um governo fantoche num local remoto da Rússia. Por um triz não se concretizou o plano, que poderia haver determinado a debacle do colosso soviético.

TUDO ISSO APARECE DOCUMENTADO, PROCEDENTE ATÉ DOS ARQUIVOS QUE VIERAM A LUME DEPOIS DA IMPLOSÃO DA RÚSSIA SOVIÉTICA (1989). Há uma literatura tão farta sobre isso, que nem haveria tempo para transcrever aqui.

De forma exemplificativa, citemos um livro, dentre dezenas de outros, que demonstram à saciedade o que está referido acima: 'Stálin, os Nazistas e o Ocidente — a Segunda Guerra entre duas paredes', Laurence REES, Larousse do Brasil, São Paulo, 2009.

Apesar disso, eximindo-se da responsabilidade de se informar, estudar e analisar os acontecimentos, adeptos da hilariante (tragicômica) ‘mise-en-scène’ Viva Putin 'cristão' irrompem desinibidos. Simplesmente difundem chavões, ditos primários e grosseiros, fazem propaganda tosca e inconsequente do que apregoam ser a nova 'anti' ordem mundial — algo que, reduzido a miúdos, não é muito diverso do mesmo conluio de sempre, em prol da república universal, talvez com tintura ou verniz um pouco diverso daquilo que é propalado sob a expressão de 'homem pardo da ONU', conforme o figurino traçado e até aqui vigente.

É possível não perceber que, fundamentalmente, caminham em direção ao mesmo objetivo, apenas com um ziguezague pelo misticismo 'esotérico' de Hitler e apaniguados — desta feita, sob uma exuberante roupagem, colhida talvez das estepes russas? Dugin, Soral, e outros, sem pejo nem meias-medidas, chegam a falar em 'nacional-comunismo'...

Também na época de Hitler dicotomia análoga estava na ordem do dia: enquanto os comunistas falavam em 'luta de classes', os alemães do Terceiro Reich trombeteavam em favor da 'luta de raças'... ‘Grande’ diferença!...

Agora, tendo o comunismo caído de podre, os mentores do chamado pós-comunismo resolveram caiar a parede da casa: que tal uma pitada de religiosidade pelo meio?

Por que, afinal, não trocar o grosseiro materialismo das origens — seco, árido, espinhoso, cruel e assassino —, por uma demão de 'tradicionalismo esotérico'? Não ficaria, assim, mais ‘palatável’ (como se diz comumente), bem mais fácil de digerir, uma pílula furta-cor, qual seja a de um remanejado‘comunismo-religioso’?

Nada do que se afirma aqui é elaboração fátua ou conjetura em torcicolo. Basta pesquisar e confrontar documentos com as realidades de ontem e de hoje — desde que esse cotejo seja feito sem facciosismos nem preconceitos, é claro.

Onde buscar a fórmula? No Ocidente, ninguém duvida de que a Teologia da Libertação (a qual, conforme definiu o ex-frei Boff, é ‘marxismo na Teologia’) constitui o modelo ou parâmetro ideal para isso. Por que não estender aos Urais essa convidativa e desconcertante simbiose comunista-cristã?

No dolorosíssimo caso da Rússia, tendo sido a população aparvalhada e robotizada por décadas de doutrinação ateia, que de melhor do que lhes proporcionar alguma ilusão de ordem mística, dado que o povo é altamente sentimental e fatalista? Sim, no fundo, anseiam por um Czar, isto é, por alguém que simbolize aquela legitimidade que lhes foi roubada após o satânico massacre da Família Imperial russa.

Por que, então, não excogitar uma figurinha da KGB travestida de 'czar pós-moderno', arauto das 'antigas tradições’, cultivadas com esmero pelos velhos camponeses russos? Nada como um bom tempero para uma comida requentada há décadas, que já ninguém conseguia deglutir...

Dado que, obviamente, os arautos da hilariante (tragicômica) ‘mise-en-scène’ Viva Putin 'cristão' se acham desprovidos de argumentos concludentes, pois diametralmente oposto à evidência dos fatos, como respondem ao serem interpelados? Ficam apenas em acrobacias ou piruetas de linguagem, que a ninguém convence.

A isso se circunscreve o ‘debate'.

A maquiagem e a modéstia


O ato de adornar-se faz parte da vida da mulher há milênios, em todas as culturas. Hoje não poderia ser diferente. A maquiagem faz parte do adorno feminino e é algo que sendo feito com cuidado e bom gosto faz bem.
É agradável perceber quando uma pessoa teve o cuidado de se colocar bela. Faz bem aos olhos quando vemos que alguém teve a delicadeza de combinar um acessório, ou de usar uma sombra de determinada cor de modo a combinar com o seu visual e a ocasião. Contanto que seja feito o uso moderado, pode ficar bonito.
Santo Tomás em sua Suma Teológica discorreu sobre a questão do adorno feminino, da maquiagem e roupas, enfim, da construção do visual da mulher através do uso das vestes, acessórios e cosméticos. Respondendo às duras palavras de São Cipriano de Cartago (que criticava acerbamente o adorno feminino), o Doutor Angélico diz:
“se a mulher casada se enfeita para agradar ao marido, pode fazê-lo sem pecado. Mas as que não têm marido nem os querem ter e vivem em celibato, não podem, sem pecado, querer agradar aos olhos dos homens para lhes excitar a concupiscência, porque isso seria incentivá-los a pecar. Se, pois, se enfeitarem com essa intenção de provocar os outros à concupiscência, pecam mortalmente. Se o fizerem, porém, por leviandade, ou mesmo por um desejo vaidoso de aparecer, nem sempre será pecado mortal, mas às vezes venial. Diga-se o mesmo, aliás, a respeito dos homens[1].”
O Doutor Angélico diz também (2):
“tais pinturas nem sempre envolvem um pecado mortal, mas só quando são feitas por uma questão de prazer sensual ou no desprezo de Deus”.
Vemos então que a maquiagem é uma forma de adorno que denota cuidado com a aparência para agradar: no caso das casadas, para agradar ao marido, no caso das solteiras, para atrair um marido. Só é pecado quando é feita para obter um prazer sensual (para excitar a luxúria) e para se opor ao Criador (um desses casos seria o da mulher que não quer se casar, mas que vive de forma impudica e se enfeita para atrair os homens, mesmo sabendo que não terá nada sério com eles. Isso nada mais é que prostituição, seja esta mulher paga por isso ou não).
É claro que sendo um dever da mulher que é filha de Deus ser modesta, a maquiagem também deve ser da mesma forma, ou seja, não pode ser usada para mostrar sensualidade e sim para cobrir defeitos, corrigir imperfeições e realçar pontos bonitos, para ser mostrar bela e não para transformar o rosto em algo que ele não é.
Segundo Santo Tomás:
“É preciso, no entanto, observar que uma coisa é falsificar uma beleza que não se tem, e outra coisa é esconder uma desfiguração decorrente de alguma causa, como a doença ou o gosto. Para isso é legal, pois, segundo o Apóstolo (I Coríntios 12,23), “como nós pensamos ser os membros menos honrosos do corpo, sobre estes nós colocamos muito mais honra.”
Ou seja, uma coisa é usar uma maquiagem mais pesada (uma dose a mais de base e corretivo) para esconder deformidades ou coisa é usar maquiagem para iludir, para fingir uma beleza que não se tem (seria o caso talvez de mudar a linha da sobrancelha, sendo esta sem defeito algum. Uma falsidade, portanto algo impróprio).
O importante aqui é a moderação: a maquiagem não pode ser feita com o intuito de seduzir, nem o de fazer parecer possuir uma beleza que não possui, nem o de tentar a qualquer custo parecer muito mais jovem do que se é. Vemos que em casos como este último a pessoa torna-se ridícula, pois todos percebem a postura afetada das senhoras que se colocam na sociedade como se fossem jovens, muitas vezes até mesmo carregando nas tintas e ficando com cara de palhaça. É duro, mas é a realidade. É muito melhor – e digno – não usar nenhuma pintura do que usar uma que não fique bem, seja pelo seu tipo, seja pela sua idade.
O adorno deve ser feito sempre respeitando a idade e a posição da pessoa na sociedade, bem como a ocasião. Senão veremos – como, aliás, vemos bastante hoje em dia – as pessoas se vestindo na vã tentativa de parecer o que não são: é o caso de adultos usando roupas e enfeites próprios de adolescentes, coisa muito comum atualmente, infelizmente.
Santo Tomás comentando as palavras de São Paulo:
“Então o Apóstolo diz: “Mulheres… no ornato do vestuário, ataviem-se com modéstia e sobriedade. Seus enfeites consistam não em primorosos penteados, ouro, pérolas, vestidos de luxo“: de onde nós somos dados para entender queas mulheres não são proibidas de se adornar sobriamente e moderadamente, mas sim de fazê-lo excessivamente, descaradamente, e imodestamente.”
Mais uma vez vemos a defesa que o grande Santo Tomás faz do enfeite feminino, não proibindo, apenas deduzindo que este deve ser feito de maneira moderada.
Nesta famosa passagem bíblica São Paulo não está proibindo o ornato feminino e sim lembrando de que é mais importante o atavio interior do que o exterior. Seu conselho é para fazer lembrar qual é o foco principal da vida do Cristão: Deus. Se algo tira a pessoa deste foco, então este algo é mau, deve ser evitado. É o que acontece com os adornos que excitam a concupiscência: estes se tornam pecado, como já explicado anteriormente. Hoje em dia vemos bastante a exposição de mulheres em poses sensuais, ornadas de forma a gerar luxúria nos homens, coisa que é obviamente contrária à vida cristã.
Há que se ter cuidado ao copiar certas pinturas e posturas apresentadas pelas celebridades e modelos apresentados na mídia em geral, pois várias delas são claramente feitas para parecer sexy, ou seja, transformam a mulher em objeto sexual: olhos muito pintados, batons de cores berrantes e muito brilhosas, produtos que incham os lábios para aumentar o poder de fascinação sedutora, “caras e bocas”, tudo isso é indigno da mulher, é feio e próprio das prostitutas. Infelizmente tais maquiagens – algumas delas copiadas das “damas da noite” – estão espalhadas por toda a parte como se fossem as coisas mais lindas do mundo e nós mulheres terminamos sendo vítimas da moda e nos arrependendo mais tarde. Ainda hoje eu me lembro da pintura da moda nos anos 80: cores fortíssimas, blush estilo punk, tudo carregado, fazendo a mulher parecer uma palhaça. Quem aí com mais de trinta anos não se lembra da viúva Porcina, daquela novela famigerada, Roque Santeiro? A maquiagem dela era um horror, feita para mostrar como ela era uma mulher ridícula, uma perua, mas não é que entrou na moda e todo mundo queria usar? Bom, eu não usei, pois era apenas uma criança, mas nada garante que não teria usado se fosse mais velha… Pois é, como caímos no ridículo!
Diz Santo Agostinho:
“Não se deve usar nada com paixão, pois esta não só ofende, perversamente, o costume daqueles entre os quais se vive, como também, ultrapassando-lhes, muitas vezes, os limites, manifesta, com rompantes escandalosos, um descaramento antes escondido sob o véu de costumes públicos”.(3)
É importante não buscar se arrumar por paixão, por gosto em parecer sensual e em querer ser vista como sexy, em querer aparecer mais do que todo mundo, pois isso é vaidade e descaramento, e quando feito com a desculpa de que “todo mundo faz” é simplesmente um descaramento escondido sob o véu dos costumes públicos, como diz Agostinho.
A maquiagem faz parte do decoro que se deve ter em sociedade. É uma prática que denota o respeito ao próximo, está intimamente ligada à caridade. O decoro inclui a limpeza, a arrumação da pessoa para se apresentar em público: roupa passada, cabelo penteado, unhas limpas e feitas (cortadas, polidas, sem cutículas aparentes), sapatos engraxados, corpo asseado. É uma tentativa de ser agradável ao próximo.
Não quero dizer com isso que as mulheres casadas e casadoiras são obrigadas a usar maquiagem, mas sim que devem buscar se apresentar de forma agradável e isso é claro anda junto com a modéstia. Mas as que quiserem usar maquiagem devem fazê-lo de forma a parecerem belas e dignas, sem exageros, sempre com moderação. Lembrem-se daquela regrinha básica: menos é mais!
Meu próximo artigo vai tratar do tema do adorno através das passagens da Bíblia. Aguardem!

NOTAS:

[1] AS MESMAS REGRAS VALEM PARA O COQUETISMO
 TANTO DOS HOMENS COMO DAS MULHERES. A
 OBSERVAÇÃO DEVE SER INSERIDA NO DOSSIÊ 
DAQUELES QUE ACUSAM STO. TOMÁS DE MISOGINIA. 
(SUMA TEOLÓGICA – QUESTÃO 169 – ARTIGO 2. ED.
 LOYOLA)
(2) SUMA TEOLÓGICA II-CLXIX-II
.
(3) CITADO POR SANTO TOMÁS DE AQUINO NA SUMA
 TEOLÓGICA – QUESTÃO 169 – ARTIGO 2. ED. LOYOLA.